Texto proposto em processo de psicoterapia como exercício de autoconhecimento.
YVera Maria de Carvalho - CRP 6663
Psiconeurolinguística, Psicopedagogia, Psicodiagnóstico
e Reabilitação Cognitiva
Cond.Serra Dourada II conj. D comercial casa 5- Sobradinho - DF - Fone: 349 9663
EGOÍSTA EU?
Não, apenas
eu me amo!
O amor a si mesmo como pré-condição para
amar os outros.
Crescemos ouvindo de todos –
pais , mestres religiosos, - que não devemos ser egoístas, querendo com isso
passar a idéia de que gostar muito de nós mesmos é (ou seria) prejudicial e
indesejável. As religiões, quase todas, têm como máxima e esteio fundamental do
comportamento o amor ao próximo. O cristianismo, repetindo com outras palavras
o que já nos ensinaram Confúcio e Buda,
nos manda amar ao próximo tanto quanto a nós mesmos.
Há, nas colocações acima, o equívoco de
confundir o amor a si mesmo com o egoísmo. São, em verdade, pólos opostos de um
mesmo fenômeno, guardando o egoísmo uma relação inversa com o apreço que se
tenha por si mesmo, como se fossem imagens num espelho.
Algum
grau de egoísmo é obrigatório em todos nós, visto que como salientou Freud é
parte essencial do instinto de auto-preservação de todas as espécies, a humana
entre elas. Ou seja, ter cuidado consigo próprio, defender seus interesses
legítimos, é normal e desejável. A questão é quando se extrapolam os limites
dessa normalidade e se passa a ter um comportamento egoísta no sentido doentio
e condenável da palavra. Como em quase todo fenômeno ligado ao comportamento
humano, não é fácil estabelecer esse limite com precisão. O que
caracterizaria o egoísmo doentio e
nocivo seria seu componente arbitrário, isto é, o indivíduo se julgaria ter
mais direitos que os outros e, por conseguinte, não os respeitaria. E assim ,
achando natural e justo, dada a sua visão de vida e do mundo voltada
fundamentalmente para si mesmo.
O
comportamento egoísta tem muito, mas a
ver com uma torturante sensação de insegurança e fragilidade interior. Somente
aqueles interiormente fortes conseguem . De fato, ser gentis e desprendidos. O
egoísmo relaciona-se diretamente com a imaturidade emocional, assemelhando-se
ao comportamento de criancinha, que vê e sente o mundo como que girando ao seu
redor e existindo para e em função dela.
Nos
primeiros anos de vida, somos extremamente dependentes dos outros para
sobreviver. A sensação de que nossa sobrevivência depende do meio, externo nos confere uma insegurança
que exigirá , para nosso equilíbrio e bem estar, um constante reasseguramento
de que os outros e o mundo estão a nossa disposição e sobre eles poderemos ter
controle. Ou seja, o comportamento egoísta que apresentamos enquanto crianças pequenas faz
parte do processo normal de crescimento e amadurecimento do ser humano.
A medida que vamos crescendo, amadurecendo, nos
fortalecendo e criando uma boa imagem de nós mesmos, menos importante será para
nós o reforço exterior e, por conseguinte, maior será nossa independência da
opinião e da influência das outras
pessoas. Estaremos nos aproximando, assim, do “espírito livre” de que nos
falava Nietzche. É esse processo de libertação que constitui, de fato nosso
crescimento como ser humano e configura, a rigor, o sentido da trajetória de
nossa existência.
Um indício
seguro de que se alcançou a maturidade e muito provavelmente, também a saúde e a felicidade – é quando se
passa a sentir mais prazer amando que sendo amado. O inverso, portanto, do que
ocorre com a criança. Não se pretende, com essa colocação, que o indivíduo
amadurecido prescinda do amor. O que ocorre é que, quando se está em paz
consigo mesmo, quando o indivíduo gosta
de si como de fato é, sem necessidade de máscaras, representações ou
fingimento, ele é tomado de um espontâneo e natural impulso de doação e amor
pelas outras pessoas e pela vida, que nada mais é, de fato, que o
extravasamento para o ambiente do amor que tem por si mesmo.
Os que
atingem esse patamar de crescimento ou dele se aproximam passam a extrair
genuíno prazer do amor que transmitem às outras pessoas e, sem ter premeditado,
passam a vivenciar um doce ciclo vicioso onde, quanto mais se amam e amam aos outros, mais amor recebem
de volta e mais ainda ficam amando a si e aos outros...
Esse amor
por si próprio é, essencialmente, reflexo da nossa auto-estima, ou da imagem
que construímos de nós mesmos. Um nível adequado e desejável de auto-estima
implica respeito e admiração por si próprio e não se pode confundir com o
narcisismo. Este é primo-irmão do egoísmo e resulta da mesma causa básica: a
fragilidade interior e o desapego a si mesmo são tão grandes que o indivíduo
sente uma compulsiva necessidade do reconhecimento externo.
Os
narcisistas, tanto quanto os egoístas, não são pessoas livres e dificilmente
serão felizes, dependentes que são, vitalmente, do conceito que os outros fazem
deles.
Os
estudiosos do comportamento humano identificaram algumas características
comuns, em maior ou menor grau , às pessoas narcisistas. Além do próprio
egoísmo, componente quase obrigatório do narcisismo, outras características
costumam estar presentes:
-
Excessiva preocupação com as aparências – tanto aquelas
de ordem física quanto outros atributos que se possam exibir aos demais. Ou
seja, os narcisistas são vaidosos, ententida a vaidade como a preocupação maior
de exibir-se e despertar admiração em
terceiros e pouca, ou nenhuma preocupação quanto ao que a pessoa acha de si mesma.
Há aqui uma clara diferença entre os sexos, visto que a vaidade feminina
liga-se mais à aparência física,, ao passo que a dos homens relaciona-se preferivelmente à exibição dos sinais de
poder, prestígio e riqueza. A evolução
do padrão cultural nos últimos tempos tende,
porém a tornar menos rígida tal diferença, mas
no geral ela é ainda essencialmente verdadeira.
A vaidade é componente inerente
ao comportamento humano, presente até nos que se envaidecem ao se
proclamar despidos dela. É provável que
isso ocorra por sua íntima ligação com o instinto sexual ou, talvez porque a
nenhum de nós seja dado escapar, incólume e sem carências, das angústias e
inseguranças dos primeiros anos de vida.
O nocivo portanto, não é haver
alguma vaidade, o que é normal e até desejável como expressão da auto-estima,
mas os exageros a que chegam os narcisistas.
·
Inveja – talvez, o mais destrutivo de todos os
subprodutos da insegurança interior e do desapego por si mesmo. Essa inveja
nociva e destrutiva não é o natural desejo, que vez por outra assalta qualquer
um de nós, de ter ou ser o que alguém , tem ou é.
A inveja aqui é aquela amarga
sensação de desconforto e sofrimento, que invade o indivíduo quando confrontado
com o sucesso alheio, ou com o que de bom possa estar ocorrendo com outra
pessoa. Não importa o que o próprio indivíduo esteja obtendo, ele sempre
sofrerá porque outros estão alcançando o que logrou alcançar, seja no campo
material, no prestígio intelectual ou profissional, ou ainda em termos de notoriedade
ou poder.
É fácil deduzir que dificilmente
padecerá desse tipo de inveja alguém que esteja feliz e satisfeito com o que de
fato é, mas que com o que tem. Ninguém será verdadeiramente feliz enquanto não
conseguir liberar-se dos grilhões da inveja.
No caso do narcisista e dos
invejosos em geral – há ainda uma inveja muito grande, e talvez fundamental,
das pessoas que representam justamente o oposto: indivíduos seguros
interiormente e, portanto, generosos com os outros e amados por eles. Tais
indivíduos detêm o que o narcisista mais deseja e não consegue: gostar de si
como é e, por extensão, conquistar a admiração e o amor das pessoas. Não é por
outra razão que o narcisista se liga com freqüência a pessoas generosas e
altruístas, tipos humanos que lhe despertam inveja e hostilidade, nascidas,
porém, da admiração que lhes devotam. Por admirá-los o narcisista se aproxima
deles e a eles tenta unir-se por casamento ou amizade. Esta é, no entanto uma
ligação ambivalente e desequilibrada e, por conseguinte, dificilmente feliz e
duradoura.
·
Baixa tolerância a frustração – considerando o
fato de que, quem se ama pouco tolera mal as frustração e a dor e, por
conseguinte, adoece mais e é infeliz. Assemelha-se nesse caso novamente às
crianças: reage com mau humor e é malcriada quando sua vontade é contrariada.
Manipulam as outras pessoas,
principalmente os tipos mais altruístas de quem em geral se aproximam. Tendem a
se apresentar como vítimas e agir como se sua vontade fosse sempre a mais
justa, embora quem vê de fora facilmente perceba que de justo seu comportamento
não tem nada. Para tanto, é capaz de negar, ou distorcer, o que ele próprio
antes afirmava, de tal maneira a inverter a seu favor uma situação que lhe
pareça desfavorável. O narcisista é, pois, alguém totalmente descompromissado
de qualquer tipo de comportamento moral em seu relacionamento com as outras
pessoas. Nada consegue ver além de seu próprio e direto interesse. Sua visão do
mundo e da vida é fundamentalmente pragmática. Dessa forma, nega a
possibilidade da existência de
sentimentos e comportamentos mais nobres e elevados e resume a vida e a relação
com as outras pessoas em uma permanente disputa por bens e/ou posições. Nessa
concepção, cabe-lhe evidentemente se
esforçar por vencer, não importando muito os meios nem o sentido dessa “vitória”.
Como conseqüência direta dessa
visão pragmática da vida e do mundo, o narcisista é também um pessimista. Quem
raciocina com base no concreto e no real e pouco ou nada na imaginação e no abstrato não pode mesmo
esperar nada de bom do mundo e das outras pessoas. Justifica-se, assim, a
postura do “viver aqui e agora”, usufruindo, o máximo possível, os benefícios
palpáveis da vida: o consumo, a aparência física, o sexo, “coisificado”, as
festas, as viagens.
É
interessante lembrar que, as viagens do narcisista não têm como objetivo conhecer
novos povos, lugares, e costumes mais sim, exibi-las como mais um símbolo de
status e de “sucesso”. A mesma finalidade, aliás, que confere a tudo o que na
vida aspira.
Diante
disso tudo, espero tê-lo convencido de que gostar de si mesmo não é defeito: é
qualidade e não tem nada a ver com o egoísmo; o narcisismo e o não gostar dos
outros, muito pelo contrário, é justamente a impossibilidade de amar a nós mesmos
que nos torna incapazes, na mesma proporção, de amar ou outros.
AS RAZÕES DO DESAMOR A SI MESMO
Veja a si mesmo no espelho
do seu coração. Se alguém me chama atenção por alguma coisa eu deveria ouvir
essa pessoa. Mesmo que alguém aponte um erro meu, eu deveria aceitar isso com
amor. Quando há arrogância sutil eu não consigo limpar o espelho. Se alguém lhe
der um sinal, aprenda a aceitá-lo. Se alguém lhe corrigir diga: obrigado por me
fazer ver o erro e por favor corrija-me quando eu estiver errado.
Brahma Kumaris
Como sabemos o recém-nascido da espécie humana é, com
certeza, o mais frágil rebento da natureza. Essa percepção, que possivelmente o
recém-nato logo tem, de sua fragilidade e dependência das outras pessoas,
cria-lhe uma imperiosa necessidade de ser protegido, amado, e de sentir-se
seguro. Cria a necessidade vital de amor e aconchego que acompanha a todos nós
por toda a vida.
Com base na
psicanálise – e o raciocínio lógico tende a aceitar como verdadeiro – o simples
ato do nascimento já seria por si só extremamente traumático e ameaçador. A expulsão
do aconchego, do calor e da proteção do útero seria uma experiência extremamente
desagradável e jamais de todo esquecida, ao menos no plano inconsciente.
Vivemos pois, todos, inconscientemente
desejosos de retomar à paz e ao aconchego que antecederia à vida e isso
explicaria, ao menos em parte, o desejo inconsciente de morte (tânatos), ao
qual se oporia o instinto da vida (eros). A existência desse conflito
fundamental, presente em todos nós, já evidencia de antemão a dificuldade que é
viver em paz. E realço mais uma vez a importância do amor como reforço do
“time” que, dentro de nós, luta pela vida.
O nascimento, além de ser a
primeira e talvez a mais importante “crise” que vivenciamos, não é infelizmente
a única. Logo por volta do 8º mês, sobrevém o que a psicanálise chama de
“angústia de separação”, (o desmame), ou seja ao trauma gerado por essa nem
sempre bem resolvida dissociação da figura materna somar-se-á, nos anos imediatamente
subsequentes, uma outra fonte de sofrimento, que Horney denominou “angústia
básica” . Essa angústia decorre da inadequação do relacionamento que os adultos
que cercam a criança mantêm com ela.
Nesse
sentido, há toda uma constelação de circunstâncias que provocam na criança uma
grande sensação de insegurança e desamparo e uma percepção do mundo como um
ambiente hostil, de que se encontra isolada e à parte e ao qual deve enfrentar.
As circunstâncias adversas geradoras dessa angústia podem se resumir: os adultos que convivem com a
criança – em especial seus pais – em decorrência de suas próprias neuroses e
desvios de comportamento, são incapazes de amá-la de fato ou principalmente de
respeita-la como ser à parte que é. Em decorrência, assumem em relação à
criança um ou mais dos seguintes comportamentos: ou são dominadores,
excessivamente protetores, intimidadores, irritáveis, exigentes em excesso, ou
então demasiadamente indulgentes, distraídos, propensos a manifestar
preferências por outro (s) irmão (s), indiferentes ou, ainda, hipócritas. Seja
em qual ou quais desses comportamento nocivos incorram, a essência é sua
incapacidade de amar a criança.
Portanto,
para fazer face a essa angústia de separação, a criança reage idealizando um
outro “eu”, absolutamente perfeito a seus olhos e inteiramente diferente do que
de fato é seu “eu” real. De forma simples, o raciocínio (inconsciente) é o
seguinte: “ se como eu de fato sou não sou amado, é porque não presto e não
mereço ser amado: então serei diferente para poder ser amado”.
A partir
desse instante, a vida psíquica desse indivíduo passará a ser uma luta constante
entre seu “eu” real – o que de fato é – e seu “eu” idealizado – aquilo que
pensa que é e gostaria de ser. Seu desenvolvimento deixará de seguir na direção
sadia, de cada vez maior aceitação e bem querer por si mesmo (seu “eu” real) e
passará a constatar-se na construção do “eu” fictício que idealizou: perfeito,
grandioso, superior. Em comparação a esse ser tão perfeito, o eu real do
indivíduo assemelha-se a algo feio, desagradável, mau e detestável.
Se além
dessa visão depreciativa de si mesmo, considerarmos que o “eu” real estará constantemente
atrapalhando a construção do ser ideal de seus sonhos de grandeza, é compreensível
que o indivíduo se veja como inimigo de si mesmo e, em consequência, tente se
destruir, desprezando e odiando a si próprio. Assim sendo, a angústia e a
insegurança da criança diante de um mundo percebido como hostil e mau terão conseqüências
variadas, destacam-se entre elas a conturbação que geram em suas relações com
outras pessoas, razão básica, de todo o conflito. A primeira dessas conseqüências é a
impossibilidade , diante da qual o indivíduo se vê, de ser ele mesmo. Não podendo ser espontâneo com as
pessoas, busca a criança outros meios de lidar com elas. Os caminhos que
escolherá dependerão tanto de sua estrutura psíquica inclusive o componente
genético como das condições propiciadas
pelo ambiente em que vive.
Três
seriam os caminhos possíveis: enfrentar os outros aproximar-se deles ou fugir
deles. Na criança com desenvolvimento normal, a situação também se apresenta
dessa forma, mas tais alternativas não se excluem mutuamente e permitem a
criança “sadia” o aprendizado de lutar e retrair-se, amar e ceder, essencial
para o adequado convívio com os demais. Na criança que não se sente amada e
segura essas formas de reação não só se deformam como se desequilibram, com
nítido, ou as vezes exclusivo, predomínio de uma delas.
Uma das
principais conseqüências dessa distorção no desenvolvimento é a impossibilidade
de a pessoa desenvolver uma verdadeira confiança em si própria. Suas forças
interiores enfraquecem, pelo desgastante conflito da personalidade
permanentemente dividida ( eu real e eu idealizado) e por estar continuamente
na defensiva. “necessita desesperadamente de confiança em si própria ou de um
substituto para ela”.
É fácil
então compreender o brotar da compulsão de erguer-se acima dos outros e lutar
contra eles. A exteriorização mais clara desse caminho (enfrentar os outros e
obter sobre eles um triunfo vingador”) é a luta que passa a desenvolver para a
“conquista da glória”. Entenda-se a
busca da glória como a compulsão de obter vitórias no mundo exterior que
ratifiquem a imagem idealizado do “eu”. O subproduto (s) desse contexto vêm a
ser a ambição neurótica, a inveja, a vaidade e a competição exacerbada,
compondo a personalidade “narcisista” .
Por esse
caminho estimulado pelo padrão cultural reinante, é ele obviamente o escolhido
pela maior parte das pessoas inseguras, frágeis e que no íntimo desprezam a si
mesmas, e que são a grande maioria dos mortais. Na busca desesperada pela
glória – geralmente dinheiro, prestígio e poder – a maior parte das pessoas
dispõe-se a fazer qualquer tipo de sacrifício. Abrem mão do lazer e do convívio
com a família, matam-se de trabalhar, sacrificam suas convicções, violam a
ética, fraudam a lei – quando não descambam para a criminalidade pura e
simples.
Apesar do
tantos que se empenham, poucos são os que se fato, conseguem alcançar o que
buscam. A maioria, fica estagnada carregando penosamente ao longo da existência
o peso da frustração e do fracasso. A agressividade oriunda desse sofrimento
atinge os outros mas volta-se sobretudo e inconscientemente, contra ele mesmo.
Por uma triste ironia, ou sorte a minoria que de fato alcança a glória (em
qualquer uma ou em todas, as três modalidades: (riqueza, prestígio, poder). A
busca pelo “sucesso”, nessas pessoas, é compulsiva e incessante. O objetivo
nunca é de fato alcançado, comportando-se como a miragem do oásis para o
viajante do deserto: desfaz-se quando se
pensa tê-la alcançado. O narcisista é emocionalmente uma criança e como tal,
está sempre à cata de um brinquedo novo,
pois o que acaba de receber já não lhe serve, tão logo passe o sabor da
novidade.
Ao olhos dos
outros, os que luta, - e conseguem alcançar a fortuna, o poder, a fama
alcançaram o que todos querem e deveriam sentir-se felizes. Na grande maioria,
se não provavelmente na totalidade dos casos as coisas não são assim. Alcançado
esse tipo de glória, mergulha o indivíduo no tédio, no vazio existencial, na
hipocondria, na sensação de
inutilidade, na infelicidade. Isso para não falar no mal
adicional, externo e interno, que lhe possa advir dos meios de que lançou mão
para chegar à glória.
É óbvio que a
criança que escolhe esse caminho, tenha
ou não êxito na busca da glória e do “triunfo vingador” quando adulto, não
alcançará a paz e não conseguirá de fato amar as outras pessoas. Verá os outro
sempre como rivais e competidores, inimigos reais ou potenciais, a quem deve
vencer ou exibir os adereços da sua vitória.
Em outro
caminho menos comum porque menos incentivado na nossa cultura, de que pode
lançar mão o indivíduo para fazer face a sua angústia básica, é o da
aproximação/submissão às outras pessoas. Constitui-se no que Horney chama a
“solução auto-anuladora”. Embora idêntico seja o conflito básico,
diametralmente oposto é o caminho escolhido em relação ao tipo anterior.
Enquanto
aquele glorifica e cultiva em si mesmo tudo o que signifique domínio e
superioridade sobre os outros, e abomine cabalmente qualquer sinal ou
manifestação que possa ser indício de fraqueza e/ou inferioridade, o segundo
não concebe, sob nenhuma hipótese, sentir-se superior as outras pessoas. Muito
pelo contrário, sua compulsão é por pacificá-los. O que mais busca na vida é o
amor e a proteção das outras pessoas. Não sabe dar ordens , não consegue lutar
por seus direitos. Sente-se agora em nível consciente, desprezível e inferior,
não merecedor do respeito e da consideração dos outros. Ao contrário do outro
tipo, que em nível consciente sente-se superior (embora cultive
inconscientemente o mesmo autodesprezo) e que busca desesperadamente a glória e
triunfo, este outro, o da solução auto-anuladora, foge do triunfo como o diabo
da cruz.
Detesta o
sucesso e a luz dos holofotes e, quando, mesmo sem desejar, os alcança trata
compulsivamente de diminuir os próprios méritos. Paradoxal e
incompreensivelmente (para os que não conhecem a essência de seu conflito e a
solução que adotou), sua angústia e insegurança tendem a crescer na mesma
proporção em que cresçam seus êxitos. Não conseguem defender e manter seus
pontos da vista, mudando de opinião e
posições ao sabor das de outras
pessoas, da mesma forma que a
biruta fica ao sabor do vento nos aeroportos.
A mesma
dificuldade que tem de lidar com o triunfo estende-se também ao dinheiro. Tem
por norma satisfazer-se com pouco e não aceita ampliar seus limites. Não se
acha merecedor da riqueza que porventura obtenha e sente-se culpado ao
alcança-la. Tal sentimento de culpa é ainda maior se gastar dinheiro consigo
mesmo, embora possa comportar-se de
maneira bastante perdulária em relação ás outras. Em suma é alguém que não se
acha merecedor de nada de bom para si e age de acordo com esse sentimento. Tem
um medo pavoroso da hostilidade das outras pessoas e detesta a idéia de brigar
ou até de discordar delas. Prefere sempre, ceder e perdoar, por mais que
objetiva e claramente, a razão esteja
consigo.
A primeira
vista se poderia pensar que tal indivíduo assim auto-anulado teria encontrado
uma solução melhor que o primeiro para seu conflito íntimo. Ledo engano, porém,
também aqui, já um “eu” idealizado, diferente do “eu” real. No “eu” real do
indivíduo há também , tanto quanto no outro, agressividade, orgulho e vaidade. Porém
o “eu” que idealiza é o de um santo: altruísta, bom , humilde, nobre, generoso
e pleno de amor e capacidade de doação pelas pessoas. Também aqui há uma
personalidade dividida. Há conflito mesmo. Na relação com as outras pessoas,
esse tipo que se anula faz o papel do coitadinho: todos usam e abusam
dele, ninguém talvez o hostilize, mas ninguém igualmente
o ama de fato. Ele, na verdade, também não ama. Toda dedicação, docilidade,
solicitude e humildade com relação às outras pessoas tem um único e central
objetivo: granjear-lhes a afeição e o amor.
O terceiro
caminho possível é o do afastamento das outras pessoas. O indivíduo desiste da
luta, retira-se do campo de batalha, age como se pouco se importasse com os
outros e com o mundo. Vive em um estado de “resignação” perante as mazelas do
mundo e as suas próprias. Dos três caminhos citados, este parece ser o menos
nocivo e o que mais habilita o indivíduo a aproximar-se de uma simulação de paz
interior. A paz, no entanto, já se disse, não é apenas a ausência de guerras. É
bem mais eu isso.
A paz que o
indivíduo alcança com o caminho da resignação e tão-somente o livrar-se do
conflito. É útil mais não é o bastante. O preço que paga por isso é, na
verdade, o da renúncia à própria vida. Renúncia às emoções, renúncia ao
crescimento e desenvolvimento interior, renúncia ao amor. Destaque-se que esse
tipo de comportamento tem dentro de certos limites, aspectos construtivos e
desejáveis.
São vários
os casos de pessoas que reconheceram a futilidade intrínseca da ambição e do
sucesso, que se amenizarem por esperar menos e que se tornaram mais sábias,
justamente por renunciar à competição e ao supérfulo”. Isso ocorre com freqüência,
em idosos ou mesmo pessoas não tão idosas que por doença grave ou acidente,
viram ou vêem a morte próxima. Ocorre
também em pessoas que aderem de fato à vida religiosa e que renunciam à vontade
própria, à vida sexual, aos bens materiais, a tudo que de transitório tem a
vida, com vistas a aproximar-se de Deus, ganhar a vida eterna ou até para
desenvolver a espiritualidade latente de todo o ser humano.
Esse tipo de
reavaliação dos valores da vida é até certo ponto construtivo e desejável, mas
só até certo ponto. É diferente a busca da elevação espiritual como fim em si
próprio – por acreditar-se na sua importância
- da fuga dos conflitos por falta de coragem e disposição para
enfrentá-los.
A pessoa que,
de forma neurótica , exagera no caminho do afastamento dos outros e do mundo
encolhe-se , tolhe seu próprio desenvolvimento como ser humano. Nada realiza,
nada cria, nada espera, nada sonha. Não vive. Transforma-se em um espectador de
sua própria vida. Uma vida sem lutas, sem grandes sofrimentos, sem grandes
emoções, mas também insípida e sem interesse.
Não creio
que esse seja um caminho desejável, por mais tranqüilo que possa parecer. a
também aqui não é o amor vivenciado, até
porque, na realidade, esse tipo é
uma mistura dos outros dois anteriores, ora predominando uma tendência, outra
oura a outra , mas sempre longe do amor genuíno e sempre também dividido. Esse
indivíduo vive uma paz armada. Pode ser que sofra menos, mas tem também menos
coisas boas para viver e não sei se, no
limite, será menos infeliz que os outros dois.
AFINAL....QUAL A SAÍDA?
Nesta
altura do campeonato você deve estar pensando: “então não há saída; somos todos
neuróticos e infelizes”. A rigor, não está
muito longe da verdade. A felicidade, não seria possível ao ser humano
(Freud). Quem nos criou, não teria tido
a intenção de ver-nos felizes. Ao menos aqui na terra.
Calma! Não se
desanime! Por difícil que seja sua conquista, a felicidade não é impossível,
desde que não se pretenda entendê-la como total ausência de sofrimento. Isso,
de fato me parece impossível, e não creio que ninguém, em nenhuma época, tenha
alcançado tal estado ou venha a alcança-lo no futuro. Até porque acho que seria
provavelmente muito sem graça, esse permanente estado de paz absoluta.
O que se
chama de felicidade e, que creio possível, embora talvez não muito fácil – é o
estado de paz interior que nos permita “viver agradavelmente” e ter gosto pela
vida. Somente quando alcançamos esse estado – ou dele nos aproximamos – é que
nos tornamos capazes de fato, de amar as outras pessoas. É um amor não
programado não intencional. O que quero dizer com isso é, em primeiro lugar,
que a pessoa não decide amar os outros e passa a agir deliberadamente nesse sentido.
Não. Não é
por aí. O que ocorre é uma natural e espontânea empatia e tolerância para com
as pessoas. Muito importante: essa empatia é difusa, isto é, atinge a todos
indistintamente, e até aqueles que podem se afigurar, aos que olham de fora
como inimigos e adversários. Implica uma grande capacidade de perdoar e
compreender a razão de ser e de agir das outras pessoas e uma não menor – ou
total – incapacidade de guardar ódio ou rancor de quem quer que seja. Ficam
felizes e se sentem bem simplesmente transmitindo amor as outras pessoas. E por
isso são amados.
Alcançar
tal estado depende basicamente de nosso desenvolvimento como ser humanos e
decorre da boa aceitação de nós mesmos. É, pois, diretamente proporcional à
nossa integridade interior, entendida na acepção genuína da palavra, ou seja,
no sentido de ser uma pessoa inteira (íntegra) não dividida entre um “eu real”
e outro idealizado. A construção dessa integridade tem seus alicerces fincados
já nos primeiros meses de vida, e sua estrutura certamente já estará completa
por volta dos 6 ou 7 anos. A solidez da construção dependerá, da qualidade da
relação que, nessa fase da vida mantivermos com nossos pais ou com quem lhes
façam as vezes.
O
reconhecimento da decisiva importância desses primeiros anos não significa que,
estando ali traçada nossa capacidade de amar e ser feliz, nada mais possa ser
feito muito pelo contrário. Acredito piamente que o crescimento e o autoconhecimento
interior podem levar – e certamente levam – a um grau de auto-aceitação e
auto-estima capazes de restabelecer a perdida capacidade de amar aos outros, à
vida e, fundamentalmente, a nós mesmos.
In: SILVA, Dr. Marco Aurélio Dias da.,Quem ama não adoece,
o papel das emoções
na prevenção e cura das doenças, 25º S.P.,
ed. Best Seller,2001
1.Qual a sua opinião sobre este texto?
__________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
2. Você se identificou com umas das três personalidades
descritas? Qual?
Justifique;________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
3. Quais dessas características você gostaria de
modificar?
______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________