PSICOPEDAGOGIA NEUROPSICOLÓGICA - ESPAÇO PARA DISCUSSÃO DE TEMAS RELATIVOS A PSICOLOGIA E PSICOPEDAGOGIA. EDUCAÇÃO, FORMAÇÃO DE PROFESSORES E PSICÓLOGOS.REABILITAÇÃO COGNITIVA E EDUCAÇÃO INCLUSIVA. TEMAS RELACIONADOS AO ESTUDO DA PSICOPEDAGOGIA, PSICOLOGIA CLÍNICA, NEUROPSICOLOGIA CLÍNICA E REABILITAÇÃO COGNITIVA - DISTÚRBIOS DA APRENDIZAGEM, SÍNDROMES DA APRENDIZAGEM - EDUCAÇÃO SEXUAL E EDUCAÇÃO INCLUSIVA

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

MÍDIA X AUTOESTIMA (CONCLUSÃO)

Texto proposto em processo de psicoterapia como exercício de autoconhecimento.




YVera Maria de Carvalho - CRP 6663
Psiconeurolinguística, Psicopedagogia, Psicodiagnóstico e Reabilitação Cognitiva
Cond.Serra Dourada II conj. D comercial casa 5-  Sobradinho - DF - Fone: 349 9663

EGOÍSTA EU?
Não, apenas eu  me amo!


O amor a si mesmo como pré-condição para amar os outros.


Crescemos ouvindo de todos – pais , mestres religiosos, - que não devemos ser egoístas, querendo com isso passar a idéia de que gostar muito de nós mesmos é (ou seria) prejudicial e indesejável. As religiões, quase todas, têm como máxima e esteio fundamental do comportamento o amor ao próximo. O cristianismo, repetindo com outras palavras o que já nos ensinaram Confúcio e Buda, nos manda amar ao próximo tanto quanto a nós mesmos.
         Há, nas colocações acima, o equívoco de confundir o amor a si mesmo com o egoísmo. São, em verdade, pólos opostos de um mesmo fenômeno, guardando o egoísmo uma relação inversa com o apreço que se tenha por si mesmo, como se fossem imagens num espelho.
         Algum grau de egoísmo é obrigatório em todos nós, visto que como salientou Freud é parte essencial do instinto de auto-preservação de todas as espécies, a humana entre elas. Ou seja, ter cuidado consigo próprio, defender seus interesses legítimos, é normal e desejável. A questão é quando se extrapolam os limites dessa normalidade e se passa a ter um comportamento egoísta no sentido doentio e condenável da palavra. Como em quase todo fenômeno ligado ao comportamento humano, não é fácil estabelecer esse limite com precisão. O que caracterizaria  o egoísmo doentio e nocivo seria seu componente arbitrário, isto é, o indivíduo se julgaria ter mais direitos que os outros e, por conseguinte, não os respeitaria. E assim , achando natural e justo, dada a sua visão de vida e do mundo voltada fundamentalmente para si mesmo.
         O comportamento egoísta tem muito, mas  a ver com uma torturante sensação de insegurança e fragilidade interior. Somente aqueles interiormente fortes conseguem . De fato, ser gentis e desprendidos. O egoísmo relaciona-se diretamente com a imaturidade emocional, assemelhando-se ao comportamento de criancinha, que vê e sente o mundo como que girando ao seu redor e existindo para e em função dela.
         Nos primeiros anos de vida, somos extremamente dependentes dos outros para sobreviver. A sensação de que nossa sobrevivência  depende do meio, externo nos confere uma insegurança que exigirá , para nosso equilíbrio e bem estar, um constante reasseguramento de que os outros e o mundo estão a nossa disposição e sobre eles poderemos ter controle. Ou seja, o comportamento egoísta que  apresentamos enquanto crianças pequenas faz parte do processo normal de crescimento e amadurecimento       do ser humano.
        

A medida  que vamos crescendo, amadurecendo, nos fortalecendo e criando uma boa imagem de nós mesmos, menos importante será para nós o reforço exterior e, por conseguinte, maior será nossa independência da opinião e da influência  das outras pessoas. Estaremos nos aproximando, assim, do “espírito livre” de que nos falava Nietzche. É esse processo de libertação que constitui, de fato nosso crescimento como ser humano e configura, a rigor, o sentido da trajetória de nossa existência.
         Um indício seguro de que se alcançou a maturidade e muito provavelmente,  também a saúde e a felicidade – é quando se passa a sentir mais prazer amando que sendo amado. O inverso, portanto, do que ocorre com a criança. Não se pretende, com essa colocação, que o indivíduo amadurecido prescinda do amor. O que ocorre é que, quando se está em paz consigo mesmo, quando  o indivíduo gosta de si como de fato é, sem necessidade de máscaras, representações ou fingimento, ele é tomado de um espontâneo e natural impulso de doação e amor pelas outras pessoas e pela vida, que nada mais é, de fato, que o extravasamento para o ambiente do amor que tem por si mesmo.
         Os que atingem esse patamar de crescimento ou dele se aproximam passam a extrair genuíno prazer do amor que transmitem às outras pessoas e, sem ter premeditado, passam a vivenciar um doce ciclo vicioso onde, quanto mais  se amam e amam aos outros, mais amor recebem de volta e mais ainda ficam amando a si e aos outros...
         Esse amor por si próprio é, essencialmente, reflexo da nossa auto-estima, ou da imagem que construímos de nós mesmos. Um nível adequado e desejável de auto-estima implica respeito e admiração por si próprio e não se pode confundir com o narcisismo. Este é primo-irmão do egoísmo e resulta da mesma causa básica: a fragilidade interior e o desapego a si mesmo são tão grandes que o indivíduo sente uma compulsiva necessidade do reconhecimento externo.
         Os narcisistas, tanto quanto os egoístas, não são pessoas livres e dificilmente serão felizes, dependentes que são, vitalmente, do conceito que os outros fazem deles.
         Os estudiosos do comportamento humano identificaram algumas características comuns, em maior ou menor grau , às pessoas narcisistas. Além do próprio egoísmo, componente quase obrigatório do narcisismo, outras características costumam estar presentes:
-         Excessiva preocupação com as aparências – tanto aquelas de ordem física quanto outros atributos que se possam exibir aos demais. Ou seja, os narcisistas são vaidosos, ententida a vaidade como a preocupação maior de exibir-se e despertar admiração  em terceiros e pouca, ou nenhuma preocupação quanto ao que a pessoa acha de si mesma. Há aqui uma clara diferença entre os sexos, visto que a vaidade feminina liga-se mais à aparência física,, ao passo que a dos homens relaciona-se  preferivelmente à exibição dos sinais de poder, prestígio e riqueza. A evolução   do   padrão   cultural   nos últimos  tempos  tende,
     porém a tornar menos rígida tal diferença, mas no geral ela é ainda essencialmente verdadeira.

A vaidade é componente inerente ao comportamento humano, presente até nos que se envaidecem ao se proclamar  despidos dela. É provável que isso ocorra por sua íntima ligação com o instinto sexual ou, talvez porque a nenhum de nós seja dado escapar, incólume e sem carências, das angústias e inseguranças dos primeiros anos de vida.
O nocivo portanto, não é haver alguma vaidade, o que é normal e até desejável como expressão da auto-estima, mas os exageros a que chegam os narcisistas.
·        Inveja – talvez, o mais destrutivo de todos os subprodutos da insegurança interior e do desapego por si mesmo. Essa inveja nociva e destrutiva não é o natural desejo, que vez por outra assalta qualquer um de nós, de ter ou ser o que alguém , tem ou é.
A inveja aqui é aquela amarga sensação de desconforto e sofrimento, que invade o indivíduo quando confrontado com o sucesso alheio, ou com o que de bom possa estar ocorrendo com outra pessoa. Não importa o que o próprio indivíduo esteja obtendo, ele sempre sofrerá porque outros estão alcançando o que logrou alcançar, seja no campo material, no prestígio intelectual ou profissional, ou ainda em termos de notoriedade ou poder.
É fácil deduzir que dificilmente padecerá desse tipo de inveja alguém que esteja feliz e satisfeito com o que de fato é, mas que com o que tem. Ninguém será verdadeiramente feliz enquanto não conseguir liberar-se dos grilhões da inveja.
No caso do narcisista e dos invejosos em geral – há ainda uma inveja muito grande, e talvez fundamental, das pessoas que representam justamente o oposto: indivíduos seguros interiormente e, portanto, generosos com os outros e amados por eles. Tais indivíduos detêm o que o narcisista mais deseja e não consegue: gostar de si como é e, por extensão, conquistar a admiração e o amor das pessoas. Não é por outra razão que o narcisista se liga com freqüência a pessoas generosas e altruístas, tipos humanos que lhe despertam inveja e hostilidade, nascidas, porém, da admiração que lhes devotam. Por admirá-los o narcisista se aproxima deles e a eles tenta unir-se por casamento ou amizade. Esta é, no entanto uma ligação ambivalente e desequilibrada e, por conseguinte, dificilmente feliz e duradoura.
·        Baixa tolerância a frustração – considerando o fato de que, quem se ama pouco tolera mal as frustração e a dor e, por conseguinte, adoece mais e é infeliz. Assemelha-se nesse caso novamente às crianças: reage com mau humor e é malcriada quando sua vontade é contrariada.
Manipulam as outras pessoas, principalmente os tipos mais altruístas de quem em geral se aproximam. Tendem a se apresentar como vítimas e agir como se sua vontade fosse sempre a mais justa, embora quem vê de fora facilmente perceba que de justo seu comportamento não tem nada. Para tanto, é capaz de negar, ou distorcer, o que ele próprio antes afirmava, de tal maneira a inverter a seu favor uma situação que lhe pareça desfavorável. O narcisista é, pois, alguém totalmente descompromissado de qualquer tipo de comportamento moral em seu relacionamento com as outras pessoas. Nada consegue ver além de seu próprio e direto interesse. Sua visão do mundo e da vida é fundamentalmente pragmática. Dessa forma, nega a possibilidade da existência  de sentimentos e comportamentos mais nobres e elevados e resume a vida e a relação com as outras pessoas em uma permanente disputa por bens e/ou posições. Nessa concepção, cabe-lhe  evidentemente se esforçar por vencer, não importando muito os meios  nem o sentido dessa “vitória”.
Como conseqüência direta dessa visão pragmática da vida e do mundo, o narcisista é também um pessimista. Quem raciocina com base no concreto e no real e pouco ou nada  na imaginação e no abstrato não pode mesmo esperar nada de bom do mundo e das outras pessoas. Justifica-se, assim, a postura do “viver aqui e agora”, usufruindo, o máximo possível, os benefícios palpáveis da vida: o consumo, a aparência física, o sexo, “coisificado”, as festas, as viagens.
         É interessante lembrar que, as viagens do narcisista não têm como objetivo conhecer novos povos, lugares, e costumes mais sim, exibi-las como mais um símbolo de status e de “sucesso”. A mesma finalidade, aliás, que confere a tudo o que na vida aspira.
         Diante disso tudo, espero tê-lo convencido de que gostar de si mesmo não é defeito: é qualidade e não tem nada a ver com o egoísmo; o narcisismo e o não gostar dos outros, muito pelo contrário, é justamente a impossibilidade de amar a nós mesmos que nos torna incapazes, na mesma proporção, de amar ou outros.

AS RAZÕES DO DESAMOR A SI MESMO

Veja a si mesmo no espelho do seu coração. Se alguém me chama atenção por alguma coisa eu deveria ouvir essa pessoa. Mesmo que alguém aponte um erro meu, eu deveria aceitar isso com amor. Quando há arrogância sutil eu não consigo limpar o espelho. Se alguém lhe der um sinal, aprenda a aceitá-lo. Se alguém lhe corrigir diga: obrigado por me fazer ver o erro e por favor corrija-me quando eu estiver errado.
Brahma Kumaris

        Como sabemos o recém-nascido da espécie humana é, com certeza, o mais frágil rebento da natureza. Essa percepção, que possivelmente o recém-nato logo tem, de sua fragilidade e dependência das outras pessoas, cria-lhe uma imperiosa necessidade de ser protegido, amado, e de sentir-se seguro. Cria a necessidade vital de amor e aconchego que acompanha a todos nós por toda a vida.
         Com base na psicanálise – e o raciocínio lógico tende a aceitar como verdadeiro – o simples ato do nascimento já seria por si só extremamente traumático e ameaçador. A expulsão do aconchego, do calor e da proteção do útero seria uma experiência extremamente desagradável e jamais de todo esquecida, ao menos no plano inconsciente.
      
 Vivemos pois, todos, inconscientemente desejosos de retomar à paz e ao aconchego que antecederia à vida e isso explicaria, ao menos em parte, o desejo inconsciente de morte (tânatos), ao qual se oporia o instinto da vida (eros). A existência desse conflito fundamental, presente em todos nós, já evidencia de antemão a dificuldade que é viver em paz. E realço mais uma vez a importância do amor como reforço do “time” que, dentro de nós, luta pela vida.
O nascimento, além de ser a primeira e talvez a mais importante “crise” que vivenciamos, não é infelizmente a única. Logo por volta do 8º mês, sobrevém o que a psicanálise chama de “angústia de separação”, (o desmame), ou seja ao trauma gerado por essa nem sempre bem resolvida dissociação da figura materna somar-se-á, nos anos imediatamente subsequentes, uma outra fonte de sofrimento, que Horney denominou “angústia básica” . Essa angústia decorre da inadequação do relacionamento que os adultos que cercam a criança mantêm com ela.
         Nesse sentido, há toda uma constelação de circunstâncias que provocam na criança uma grande sensação de insegurança e desamparo e uma percepção do mundo como um ambiente hostil, de que se encontra isolada e à parte e ao qual deve enfrentar. As circunstâncias adversas geradoras dessa angústia podem  se resumir: os adultos que convivem com a criança – em especial seus pais – em decorrência de suas próprias neuroses e desvios de comportamento, são incapazes de amá-la de fato ou principalmente de respeita-la como ser à parte que é. Em decorrência, assumem em relação à criança um ou mais dos seguintes comportamentos: ou são dominadores, excessivamente protetores, intimidadores, irritáveis, exigentes em excesso, ou então demasiadamente indulgentes, distraídos, propensos a manifestar preferências por outro (s) irmão (s), indiferentes ou, ainda, hipócritas. Seja em qual ou quais desses comportamento nocivos incorram, a essência é sua incapacidade de amar a criança.
        Portanto, para fazer face a essa angústia de separação, a criança reage idealizando um outro “eu”, absolutamente perfeito a seus olhos e inteiramente diferente do que de fato é seu “eu” real. De forma simples, o raciocínio (inconsciente) é o seguinte: “ se como eu de fato sou não sou amado, é porque não presto e não mereço ser amado: então serei diferente para poder ser amado”.
         A partir desse instante, a vida psíquica desse indivíduo passará a ser uma luta constante entre seu “eu” real – o que de fato é – e seu “eu” idealizado – aquilo que pensa que é e gostaria de ser. Seu desenvolvimento deixará de seguir na direção sadia, de cada vez maior aceitação e bem querer por si mesmo (seu “eu” real) e passará a constatar-se na construção do “eu” fictício que idealizou: perfeito, grandioso, superior. Em comparação a esse ser tão perfeito, o eu real do indivíduo assemelha-se a algo feio, desagradável, mau e detestável.
        Se além dessa visão depreciativa de si mesmo, considerarmos que o “eu” real estará constantemente atrapalhando a construção do ser ideal de seus sonhos de grandeza, é compreensível que o indivíduo se veja como inimigo de si mesmo e, em consequência, tente se destruir, desprezando e odiando a si próprio. Assim sendo, a angústia e a insegurança da criança diante de um mundo percebido como hostil e mau terão conseqüências variadas, destacam-se entre elas a conturbação que geram em suas relações com outras pessoas, razão básica, de todo o conflito.  A primeira dessas conseqüências é a impossibilidade , diante da qual o indivíduo se vê, de ser  ele mesmo. Não podendo ser espontâneo com as pessoas, busca a criança outros meios de lidar com elas. Os caminhos que escolherá dependerão tanto de sua estrutura psíquica inclusive o componente genético como das condições propiciadas  pelo ambiente em que vive.
         Três seriam os caminhos possíveis: enfrentar os outros aproximar-se deles ou fugir deles. Na criança com desenvolvimento normal, a situação também se apresenta dessa forma, mas tais alternativas não se excluem mutuamente e permitem a criança “sadia” o aprendizado de lutar e retrair-se, amar e ceder, essencial para o adequado convívio com os demais. Na criança que não se sente amada e segura essas formas de reação não só se deformam como se desequilibram, com nítido, ou as vezes exclusivo, predomínio de uma delas.
      Uma das principais conseqüências dessa distorção no desenvolvimento é a impossibilidade de a pessoa desenvolver uma verdadeira confiança em si própria. Suas forças interiores enfraquecem, pelo desgastante conflito da personalidade permanentemente dividida ( eu real e eu idealizado) e por estar continuamente na defensiva. “necessita desesperadamente de confiança em si própria ou de um substituto para ela”.
        É fácil então compreender o brotar da compulsão de erguer-se acima dos outros e lutar contra eles. A exteriorização mais clara desse caminho (enfrentar os outros e obter sobre eles um triunfo vingador”) é a luta que passa a desenvolver para a “conquista da glória”. Entenda-se  a busca da glória como a compulsão de obter vitórias no mundo exterior que ratifiquem a imagem idealizado do “eu”. O subproduto (s) desse contexto vêm a ser a ambição neurótica, a inveja, a vaidade e a competição exacerbada, compondo a personalidade “narcisista” .
      Por esse caminho estimulado pelo padrão cultural reinante, é ele obviamente o escolhido pela maior parte das pessoas inseguras, frágeis e que no íntimo desprezam a si mesmas, e que são a grande maioria dos mortais. Na busca desesperada pela glória – geralmente dinheiro, prestígio e poder – a maior parte das pessoas dispõe-se a fazer qualquer tipo de sacrifício. Abrem mão do lazer e do convívio com a família, matam-se de trabalhar, sacrificam suas convicções, violam a ética, fraudam a lei – quando não descambam para a criminalidade pura e simples.
      Apesar do tantos que se empenham, poucos são os que se fato, conseguem alcançar o que buscam. A maioria, fica estagnada carregando penosamente ao longo da existência o peso da frustração e do fracasso. A agressividade oriunda desse sofrimento atinge os outros mas volta-se sobretudo e inconscientemente, contra ele mesmo.
  
 Por uma triste ironia, ou sorte  a minoria que de fato alcança a glória (em qualquer uma ou em todas, as três modalidades: (riqueza, prestígio, poder). A busca pelo “sucesso”, nessas pessoas, é compulsiva e incessante. O objetivo nunca é de fato alcançado, comportando-se como a miragem do oásis para o viajante do deserto: desfaz-se  quando se pensa tê-la alcançado. O narcisista é emocionalmente uma criança e como tal, está sempre  à cata de um brinquedo novo, pois o que acaba de receber já não lhe serve, tão logo passe o sabor da novidade.     
      Ao olhos dos outros, os que luta, - e conseguem alcançar a fortuna, o poder, a fama alcançaram o que todos querem e deveriam sentir-se felizes. Na grande maioria, se não provavelmente na totalidade dos casos as coisas não são assim. Alcançado esse tipo de glória, mergulha o indivíduo no tédio, no vazio existencial, na hipocondria, na sensação de
inutilidade, na infelicidade. Isso para não falar no mal adicional, externo e interno, que lhe possa advir dos meios de que lançou mão para chegar à glória.
     É óbvio que a criança  que escolhe esse caminho, tenha ou não êxito na busca da glória e do “triunfo vingador” quando adulto, não alcançará a paz e não conseguirá de fato amar as outras pessoas. Verá os outro sempre como rivais e competidores, inimigos reais ou potenciais, a quem deve vencer ou exibir os adereços da sua vitória.
     Em outro caminho menos comum porque menos incentivado na nossa cultura, de que pode lançar mão  o indivíduo  para fazer face a sua angústia básica, é o da aproximação/submissão às outras pessoas. Constitui-se no que Horney chama a “solução auto-anuladora”. Embora idêntico seja o conflito básico, diametralmente oposto é o caminho escolhido em relação ao tipo anterior.
      Enquanto aquele glorifica e cultiva em si mesmo tudo o que signifique domínio e superioridade sobre os outros, e abomine cabalmente qualquer sinal ou manifestação que possa ser indício de fraqueza e/ou inferioridade, o segundo não concebe, sob nenhuma hipótese, sentir-se superior as outras pessoas. Muito pelo contrário, sua compulsão é por pacificá-los. O que mais busca na vida é o amor e a proteção das outras pessoas. Não sabe dar ordens , não consegue lutar por seus direitos. Sente-se agora em nível consciente, desprezível e inferior, não merecedor do respeito e da consideração dos outros. Ao contrário do outro tipo, que em nível consciente sente-se superior (embora cultive inconscientemente o mesmo autodesprezo) e que busca desesperadamente a glória e triunfo, este outro, o da solução auto-anuladora, foge do triunfo como o diabo da cruz.
      Detesta o sucesso e a luz dos holofotes e, quando, mesmo sem desejar, os alcança trata compulsivamente de diminuir os próprios méritos. Paradoxal e incompreensivelmente (para os que não conhecem a essência de seu conflito e a solução que adotou), sua angústia e insegurança tendem a crescer na mesma proporção em que cresçam seus êxitos. Não conseguem defender e manter seus pontos da vista, mudando de opinião e  posições ao sabor das de outras  pessoas, da mesma forma que  a biruta fica ao sabor do vento nos aeroportos.
      A mesma dificuldade que tem de lidar com o triunfo estende-se também ao dinheiro. Tem por norma satisfazer-se com pouco e não aceita ampliar seus limites. Não se acha merecedor da riqueza que porventura obtenha e sente-se culpado ao alcança-la. Tal sentimento de culpa é ainda maior se gastar dinheiro consigo mesmo, embora possa comportar-se  de maneira bastante perdulária em relação ás outras. Em suma é alguém que não se acha merecedor de nada de bom para si e age de acordo com esse sentimento. Tem um medo pavoroso da hostilidade das outras pessoas e detesta a idéia de brigar ou até de discordar delas. Prefere sempre, ceder e perdoar, por mais que objetiva  e claramente, a razão esteja consigo.
     A primeira vista se poderia pensar que tal indivíduo assim auto-anulado teria encontrado uma solução melhor que o primeiro para seu conflito íntimo. Ledo engano, porém, também aqui, já um “eu” idealizado, diferente do “eu” real. No “eu” real do indivíduo há também , tanto quanto no outro, agressividade, orgulho e vaidade. Porém o “eu” que idealiza é o de um santo: altruísta, bom , humilde, nobre, generoso e pleno de amor e capacidade de doação pelas pessoas. Também aqui há uma personalidade dividida. Há conflito mesmo. Na relação com as outras pessoas, esse tipo que se anula faz o papel do coitadinho: todos usam e abusam
dele, ninguém talvez o hostilize, mas ninguém igualmente o ama de fato. Ele, na verdade, também não ama. Toda dedicação, docilidade, solicitude e humildade com relação às outras pessoas tem um único e central objetivo: granjear-lhes a afeição e o amor.
        O terceiro caminho possível é o do afastamento das outras pessoas. O indivíduo desiste da luta, retira-se do campo de batalha, age como se pouco se importasse com os outros e com o mundo. Vive em um estado de “resignação” perante as mazelas do mundo e as suas próprias. Dos três caminhos citados, este parece ser o menos nocivo e o que mais habilita o indivíduo a aproximar-se de uma simulação de paz interior. A paz, no entanto, já se disse, não é apenas a ausência de guerras. É bem mais eu isso.
        A paz que o indivíduo alcança com o caminho da resignação e tão-somente o livrar-se do conflito. É útil mais não é o bastante. O preço que paga por isso é, na verdade, o da renúncia à própria vida. Renúncia às emoções, renúncia ao crescimento e desenvolvimento interior, renúncia ao amor. Destaque-se que esse tipo de comportamento tem dentro de certos limites, aspectos construtivos e desejáveis.
       São vários os casos de pessoas que reconheceram a futilidade intrínseca da ambição e do sucesso, que se amenizarem por esperar menos e que se tornaram mais sábias, justamente por renunciar à competição e ao supérfulo”. Isso ocorre com freqüência, em idosos ou mesmo pessoas não tão idosas que por doença grave ou acidente, viram ou vêem  a morte próxima. Ocorre também em pessoas que aderem de fato à vida religiosa e que renunciam à vontade própria, à vida sexual, aos bens materiais, a tudo que de transitório tem a vida, com vistas a aproximar-se de Deus, ganhar a vida eterna ou até para desenvolver a espiritualidade latente de todo o ser humano.
      Esse tipo de reavaliação dos valores da vida é até certo ponto construtivo e desejável, mas só até certo ponto. É diferente a busca da elevação espiritual como fim em si próprio – por acreditar-se na sua importância  - da fuga dos conflitos por falta de coragem e disposição para enfrentá-los.
     A pessoa que, de forma neurótica , exagera no caminho do afastamento dos outros e do mundo encolhe-se , tolhe seu próprio desenvolvimento como ser humano. Nada realiza, nada cria, nada espera, nada sonha. Não vive. Transforma-se em um espectador de sua própria vida. Uma vida sem lutas, sem grandes sofrimentos, sem grandes emoções, mas também insípida e sem interesse.
       Não creio que esse seja um caminho desejável, por mais tranqüilo que possa parecer. a também aqui não é o amor vivenciado, até  porque, na realidade, esse tipo  é uma mistura dos outros dois anteriores, ora predominando uma tendência, outra oura a outra , mas sempre longe do amor genuíno e sempre também dividido. Esse indivíduo vive uma paz armada. Pode ser que sofra menos, mas tem também menos coisas boas para  viver e não sei se, no limite, será menos infeliz que os outros dois.

AFINAL....QUAL A SAÍDA?

        Nesta altura do campeonato você deve estar pensando: “então não há saída; somos todos neuróticos e infelizes”. A rigor, não está  muito longe da verdade. A felicidade, não seria possível ao ser humano (Freud). Quem nos criou,  não teria tido a intenção de ver-nos felizes. Ao menos aqui na terra.
      Calma! Não se desanime! Por difícil que seja sua conquista, a felicidade não é impossível, desde que não se pretenda entendê-la como total ausência de sofrimento. Isso, de fato me parece impossível, e não creio que ninguém, em nenhuma época, tenha alcançado tal estado ou venha a alcança-lo no futuro. Até porque acho que seria provavelmente muito sem graça, esse permanente estado de paz absoluta.
      O que se chama de felicidade e, que creio possível, embora talvez não muito fácil – é o estado de paz interior que nos permita “viver agradavelmente” e ter gosto pela vida. Somente quando alcançamos esse estado – ou dele nos aproximamos – é que nos tornamos capazes de fato, de amar as outras pessoas. É um amor não programado não intencional. O que quero dizer com isso é, em primeiro lugar, que a pessoa não decide amar os outros e passa a agir deliberadamente nesse sentido.
       Não. Não é por aí. O que ocorre é uma natural e espontânea empatia e tolerância para com as pessoas. Muito importante: essa empatia é difusa, isto é, atinge a todos indistintamente, e até aqueles que podem se afigurar, aos que olham de fora como inimigos e adversários. Implica uma grande capacidade de perdoar e compreender a razão de ser e de agir das outras pessoas e uma não menor – ou total – incapacidade de guardar ódio ou rancor de quem quer que seja. Ficam felizes e se sentem bem simplesmente transmitindo amor as outras pessoas. E por isso são amados.
        Alcançar tal estado depende basicamente de nosso desenvolvimento como ser humanos e decorre da boa aceitação de nós mesmos. É, pois, diretamente proporcional à nossa integridade interior, entendida na acepção genuína da palavra, ou seja, no sentido de ser uma pessoa inteira (íntegra) não dividida entre um “eu real” e outro idealizado. A construção dessa integridade tem seus alicerces fincados já nos primeiros meses de vida, e sua estrutura certamente já estará completa por volta dos 6 ou 7 anos. A solidez da construção dependerá, da qualidade da relação que, nessa fase da vida mantivermos com nossos pais ou com quem lhes façam as vezes.
      O reconhecimento da decisiva importância desses primeiros anos não significa que, estando ali traçada nossa capacidade de amar e ser feliz, nada mais possa ser feito muito pelo contrário. Acredito piamente que o crescimento e o autoconhecimento interior podem levar – e certamente levam – a um grau de auto-aceitação e auto-estima capazes de restabelecer a perdida capacidade de amar aos outros, à vida e, fundamentalmente, a nós mesmos.
        
In: SILVA, Dr. Marco Aurélio Dias da.,Quem ama não adoece, o papel das emoções
                                                                     na prevenção e cura das doenças, 25º S.P., ed. Best Seller,2001

1.Qual a sua opinião sobre este texto?
__________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
2. Você se identificou com umas das três personalidades descritas? Qual? Justifique;________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
3. Quais dessas características você gostaria de modificar?
______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________