AGRESSIVIDADE INFANTIL: A CRIANÇA, A ESCOLA E A FAMÍLIA
“Porque você não fica quieto, você já
matou o seu pai, quer matar a sua mãe de desgosto também?” Assustadora esta
frase não é mesmo? Ela foi proferida pela dona de um “hotelzinho”, local que
presta atendimento às crianças, geralmente confundido com “creche e
pré-escola”.
Essa frase foi dita para tentar
conter a agressividade de uma criança de 5 anos de idade. Relatos apontam que
ela batia nos amiguinhos e não respeitava as cuidadoras (chamo de cuidadora por
não terem formação para atuar na educação de crianças, portanto não podem ser
chamadas de professoras). Esse menino havia perdido o pai há pouco tempo em
decorrência de um ataque cardíaco. A mãe estava vivenciando o luto e os
problemas provenientes de uma situação como essa, que dói. Mas também dói na
criança. Todavia, quem a escuta? Com quem ela extravasa esse aperto no peito?
Com quem ela chora? Quem explica o motivo pelo qual o pai não aparece mais?
Quem diz que a culpa não foi dela?
Ele estava vivenciando o luto e a
forma que encontrava para colocar para o mundo sua tristeza era através de
atitudes consideradas agressivas. Lembro-me de um paciente de 6 aninhos que
havia perdido o avô. Perguntei onde doía, ele disse: “aqui”, apontando para o
coração e “aqui”, apontando para o estômago.
Uma criança com comportamento
agressivo, que tem dificuldades em lidar com os colegas e desobedece a
professora, pode estar sinalizando que algo está errado na vida dela. Pode
estar colocando através dessas atitudes, a tristeza, o medo, a insatisfação
que, pela imaturidade emocional, não consegue extravasar de outra forma.
O primeiro passo frente a uma criança
considerada agressiva é não olhá-la como má e, por isso, excluí-la ou rotulá-la
com palavras como: “sempre você né!”; “Nunca fica quieto!”; “assim você fica
sem amigo”, entre outras pérolas que, desesperadamente, pais, professores ou
cuidadores utilizam, com a intenção de discipliná-la.
A criança dita agressiva pode estar
vivenciando uma série de questões na vidinha dela. Pode estar sofrendo
violência em casa (física ou psicológica) ou vivenciando um processo de
separação dos pais ou sendo exposta a diversas situações onde a violência é a
forma básica de relacionamento humano, enfim, muitas podem ser as causas para
que a criança esteja manifestando um comportamento agressivo.
Lembro-me certa vez de um menino de 3
anos de idade que batia em todos os colegas da classe, inclusive jogou uma
pedra na cabeça de um coleguinha, necessitando de alguns pontinhos para fechar
o ferimento. Ele era rotulado como “psicopata mirim” pelas professoras que
diziam: “ele é assim mesmo, tem que castigar, é falta de um bom corretivo”.
Não! Não é “assim mesmo” e
“corretivo” certamente não ajudaria! Percorrendo a história de vida dele,
percebemos que seus pais estavam brigando muito, inclusive pela guarda dele,
com proibições e pressões para que ele escolhesse de quem ele mais gostava.
Isso fazia com que a tensão dele fosse liberada na escola, com atitudes que
possibilitassem chamar a atenção. Deu certo, ele realmente chamou a atenção das
professoras, mas não da forma eficaz, justamente por elas já terem uma visão
pré-concebida de que uma criança com comportamento agressivo é desobediente e
má. Ora, o que ele pedia era amor, abraço, uma atenção positiva! Mas a escola
pode fazer algo? A culpa é dos pais! Claro que pode fazer, e muito!
Fizemos uma reunião com as docentes e
organizamos algumas ações: o “pedágio do beijo”: toda vez que ele passava pela
porta da sala nós o beijávamos e elogiávamos (primeiro desafio para as
professoras: transformar o olhar e buscar qualidades). Nos primeiros dias ele
resistiu, mas insistimos e no final da primeira semana ele nos olhava, como que
pedindo o beijo. Além disso, toda vez que ele estava fazendo uma atividade
saudável, nós o elogiávamos, de modo que percebesse que a atenção também
poderia vir de atitudes positivas.
Outra ação foi o projeto: “amizade”,
onde as crianças faziam uma série de atividades promovendo o vínculo entre a
turma, com histórias, pintura, argila, desenhos livres e tudo o que
possibilitasse a expressão de sentimentos. Apenas 1 mês depois ele havia mudado
seu comportamento, estava mais calmo, conseguindo brincar com os colegas e
mais: nos abraçando espontaneamente e dizendo: “professora, e o pedágio do
beijo”?. Os pais foram chamados na escola para uma reunião sobre o
desenvolvimento dele, o que os ajudou a compreender o desenvolvimento infantil
e olhar o menino com olhos mais positivos.
Veja que o comportamento agressivo na
infância pode se manifestar através de diversos fatores, mas, fundamentalmente,
ele é uma forma da criança expressar que as coisas não vão bem na vidinha dela.
Ora, se nós, adultos, que estamos neste mundo há 20, 30,40 anos ou mais, temos
dificuldades em lidar com as nossas emoções, como uma criança com tão pouco
tempo de vida conseguirá?
Assim, pais e professores, tenham
empatia para com as crianças. Elas também sentem o luto de um ente querido,
também sofrem com a separação dos pais, também se sentem abandonadas, sozinhas,
sem um olhar que as qualifiquem. Quando mostrarem-se agressivas, investiguem
seus motivos. Às vezes é falta de alguém que as ouça, as abrace, as beije, que
brinque com ela. (Você costuma brincar com seus filhos?). Outras vezes é o
vazio pedagógico, ou seja, falta do que fazer que, com tanta energia acumulada,
acaba extravasando de uma forma agressiva. Pode ser, inclusive, típico da
idade, como as tão comentadas mordidas que os menores dão em seus amigos! Ora,
elas são expressão do desenvolvimento infantil, normal da idade e que passará
logo!
De qualquer modo, ouçam as crianças,
entendam seu mundo para que haja mais amor e menos gritos, mais paciência e
menos tapas. Certamente o retorno será mais agradável e saudável para todos!
Sou formada em Psicologia (UFSC), Mestre em
Educação (UCS/RS) e Doutora em Educação (UFS). Atuo com psicologia clínica e
escolar, formação de professores e docência universitária. Sou pesquisadora,
escritora e palestrante, amante de viagens, natureza, dança, yoga, artes e, é
claro, psicologia/educação!