O QUE É PSICOTERAPIA DE GRUPO
Introdução
O ser humano é um ser
social e está inserido em um grupo desde seu nascimento: a família. Com o
passar do tempo, vai sendo inserido em outros grupos (a escola, a vizinhança,
etc) nos quais vai convivendo e aprendendo, formando seus conceitos, seus
valores e construindo sua personalidade. Nessas relações, que a pessoa vai
estabelecendo, ao longo de sua vida, ela vai elaborando diferentes formas de
colocar-se no mundo, de entrar em contato com ela mesma e com outras pessoas.
Contudo, no decorrer
dos anos, a criança, tão espontânea e criativa, cede lugar a um adulto rígido,
com maneiras de relacionamentos engessados no qual a novidade parece não ter
espaço e nem o encantamento da infância. É nesse cenário que chega a maioria
dos clientes para atendimento. Muitos, por pré-conceito e/ou por falta de
conhecimento sobre a psicoterapia em grupo, optam pela terapia individual,
quando a primeira modalidade, pode ser até mais indicada em determinados casos.
É um fato, que o ser humano é um ser social, que está inserido em um grupo
desde o seu nascimento até os seus últimos suspiros. Sendo assim, se o homem
“adoece”, ele adoece em grupo, no contato com outras pessoas e nas relações, e
então, por que não utilizar essa modalidade de terapia como “curadora”? Por que
não fazer o caminho inverso que o levou a “doença”? Se o homem encontra-se em
um estado não-saudável, originado nas relações com outras pessoas, então, será
que se ele for capaz de estabelecer novas maneiras, mais saudáveis, de fazer
contato, não será esse um caminho do restabelecimento da saúde?
O grupo terapêutico reúne
pessoas diferentes cada um com o seu jeito próprio com seus potenciais e suas
limitações, facilidades e dificuldades. Pouco a pouco, à medida que o grupo vai
acontecendo, as formas peculiares dos membros de interagir com o mundo vão
sendo reveladas. Vale ressaltar que as devoluções vão ocorrendo de forma
progressiva durante o andamento do grupo. Como a maioria dos relacionamentos, o
grupo terapêutico inicia com um contato mais superficial que, com o passar do
tempo, vai se aprofundando e permitindo trocas mais freqüentes e mais intensas.
Este estudo, desde sua introdução, visa refletir sobre a psicoterapia de grupo,
focando principalmente, algumas das propriedades desenvolvidas pelas relações
estabelecidas entre os seus membros, que promovem o caráter terapêutico a esse
tipo de atendimento. O objetivo não é de fornecer respostas prontas e fechadas
e sim poder pensar sobre ingredientes que temperam essa modalidade de
atendimento e como seus membros podem ser beneficiados. FARAH, Ana Beatriz
Azevedo – Psicoterapia de grupo: reflexões sobre as mudanças no contato entre
os membros do grupo durante o processo terapêutico.
A Gestalt-Terapia constitui-se em uma
abordagem relacional, onde o contato é segundo Cardoso (2007a) “matéria-prima
da relação humana” (p. 20). Sendo assim, a psicoterapia de grupo, é bem
sustentada por seus pressupostos e vem sendo, cada vez mais, utilizada como
instrumento por terapeutas que se apóiam teoricamente nessa abordagem. Segundo
Borris (2007), ela começou com a proposta de terapia individual e só
posteriormente é que estendeu seus conhecimentos para aplicação em grupos e
apresenta a importância desse tipo de atendimento. “Sem dúvida, o grupo como
comunidades de aprendizagem cooperativa não são uma panacéia para todos os
males. Entretanto, são uma forma efetiva de atuação para psicólogos, FARAH, Ana
Beatriz Azevedo – Psicoterapia de grupo: reflexões sobre as mudanças no contato
entre os membros do grupo durante o processo terapêutico.
Definição geral de
grupo:
A definição de
grupo, segundo o dicionário e o senso comum é: “1. Conjunto de objetos que se
vêem duma vez ou se abrangem no mesmo lance de olhos. 2. Reunião de coisas que
formam um todo. 3. Reunião de pessoas. 4. Pequena associação ou reunião de
pessoas ligadas para um fim comum” (FERREIRA, 1986a, p.871). Outra definição
que também conceitua grupo de maneira bem ampla é: “Um grupo consiste de duas
ou mais pessoas que interagem e partilham objetivos comuns, possuem uma relação
estável, são mais ou menos independentes e percebem que fazem de fato parte de
um grupo” (RODRIGUES et al, 1999a, p.371). Entretanto, essas duas definições
são bem simples e estão longe de conceituar completamente o que é um grupo.
Existem vários tipos de grupos e cada um com características próprias,
tornando-se necessárias definições mais específicas. A seguir, serão citados
alguns tipos de grupos existentes, com a finalidade de exemplificar as suas
diferentes propriedades, e ater-se a definir mais detalhadamente o grupo
terapêutico.
Definição de grupo terapêutico
A definição de
grupo que se está enfocando nesse trabalho é a de grupo terapêutico,
apresentando suas semelhanças com os demais grupos, mas principalmente focando
as suas particularidades e diferentes visões a respeito desse conceito. FARAH,
Ana Beatriz Azevedo – Psicoterapia de grupo: reflexões sobre as mudanças no
contato entre os membros do grupo durante o processo terapêutico. Revista IGT
na Rede, v.6, nº. 11, 2009, Página 307 de 328 Disponível em
http://www.igt.psc.br/ojs/ ISSN 1807 - 2526 Ribeiro (1994a), descreve que um
grupo terapêutico deve transformar-se em um grupo primário, cuja definição é a
seguinte: “ [...] é um grupo de pessoas caracterizado por uma associação ou
cooperação face a face. Ele é o resultado de um integração íntima e de certa
fusão de individualidades em todo comum, de tal modo que a meta e a finalidade
do grupo são a vida em comum, objetivos comuns e um sentido de pertencimento,
com um sentimento de simpatia e identidade.”,( p. 33) Rodrigues et al, (1999b)
fala de um grupo psicológico que tem uma atmosfera própria. Forma-se
principalmente pela proximidade física e também pela identidade de pontos de
vista de seus constituintes e, à medida que a interação continua valores,
objetivos, papéis, normas etc vão se formando progressivamente.
O grupo como
campo: Ribeiro (1994b) apresenta uma outra visão de grupo quando descreve o
mesmo como uma totalidade e como um campo de forças. Este conceito é proposto
pela Teoria de Campo de Kurt Lewin, a qual diversos autores como Ribeiro
(1994c), Tellegen (1984) e Yontef (1998a) utilizam parte de seus conceitos,
como base, para descreverem o processo grupal. Yontef (1998b), descreve o campo
como holístico, e interativo, sendo determinado pelas forças que nele estão
presentes. Um campo é determinado fenomenologicamente e depende do que está
sendo analisado. Ele possui o tamanho e a dimensão determinados pelo
investigador, podendo ser observado no nível das partículas subatômicas ou ser
do tamanho do universo. O campo que será estudado é relativo aos objetivos que
se pretende conhecer. O autor menciona que até esse conhecer do investigador é
relativo, uma vez que o investigador vai observar através do seu olhar que está
pautado nas suas experiências, nas suas expectativas, na sua história, nas suas
necessidades, entre outros fatores. “Conhecer também é um relacionamento entre
percebedor e percebido” (YONTEF, 1998c, p. 186). Assim, cada investigador vai observar
nuances diferentes de um mesmo objeto, focando o que mais lhe chama atenção, de
acordo com as suas motivações pessoais. Um ponto de vista de um investigador
não invalida o do outro investigador, apenas representa que o mesmo objeto está
sendo olhado por espectros diferentes. Esse é um ponto importante no trabalho
de grupo, é preciso lembrar que o terapeuta é um observador e por mais neutro
que ele tente ser, o campo por ele investigado e suas características, dependem
diretamente do seu olhar pessoal. FARAH, Ana Beatriz Azevedo – Psicoterapia de
grupo: reflexões sobre as mudanças no contato entre os membros do grupo durante
o processo terapêutico.
“A característica essencial de um grupo não é,
como na classe, a semelhança entre seus membros, mas a interdependência
dinâmica entre eles. Dizer que a essência de um grupo é a interdependência
dinâmica entre seus membros, significa que ele é concebido como um todo
dinâmico, e que qualquer mudança ocorrida em uma de suas subpartes modifica o
estado de todas as outras subpartes” (p.62). Para Yontef (1998e) o campo e
todos os seus membros possuem uma ligação tal que a existência de cada um deles
é inerente a existência do outro, um não existe sem o outro. O indivíduo é definido
em um determinado instante dentro do campo. “O indivíduo é definido, num dado
momento, apenas pelo campo do qual faz parte, e o campo só pode ser definido
pela experiência, ou do ponto de vista de alguém.” (p.190) Para o autor, tudo
que acontece dentro de um campo está sendo influenciado por ele como um todo. A
mudança de um paciente em terapia de grupo não poderia ser diferente e para ele
é resultado de uma soma de fatores que estão presentes no campo terapêutico,
como a interação entre os membros do grupo, incluindo os terapeutas, a relação
dos terapeutas entre si, entre outros. FARAH, Ana Beatriz Azevedo –
Psicoterapia de grupo: reflexões sobre as mudanças no contato entre os membros
do grupo durante o processo terapêutico.
Grupo pela lente da fenomenologia.
A definição,
encontrada no dicionário Aurélio, de fenomenologia é: “Estudo descritivo de um
fenômeno ou de um conjunto de fenômenos em que estes se definem quer por
oposição às leis abstratas e fixas que os ordenam, quer à realidade de que
seriam a manifestação. 2. Sistema de Edmund Husserl, filósofo alemão
(1859-1938), e de seus seguidores, caracterizado principalmente pela abordagem
dos problemas filosóficos segundo um método que busca a volta “às coisas
mesmas”, numa tentativa de reencontrar a verdade nos dados originários da
experiência” (FERREIRA, 1986b, p.769). É possível definir fenomenologia também
como: “Fenomenologia é uma busca de entendimento, baseada no que é óbvio ou
revelado pela situação, e não na interpretação do observador. Os fenomenólogos
referem-se a isto como “dado”. A fenomenologia trabalha entrando
experiencialmente na situação e permitindo que a awareness sensorial descubra o
que é óbvio/dado. Isso exige disciplina, especialmente perceber o que é
presente, o que É, sem excluir nenhum dado a priori” (YONTEF, 1998f, p. 218). A
partir dessas definições é possível dizer que a proposta da fenomenologia é
encontrar a essência do fenômeno, elucidando o que de fato está acontecendo. “A
idéia central da fenomenologia husserliana é a de que existe uma intuição de
essências, mas que estas são inseparáveis do fenômeno ou dos fatos. A passagem
do fato à essência se efetuará graças a um processo de redução (“epoché”) que
consiste em libertar o sujeito de suas limitações naturais. Para tanto, é
necessário que o sujeito abandone sua atitude ingênua e a substitua por uma
atitude crítica visando a própria consciência e os objetos que nela se revelam”
(GARCIA-ROZA, 1972b, p. 42). Como foi mencionado anteriormente, Yontef (1998g)
afirma que o olhar de um investigador é direcionado pelas suas motivações
internas. Ribeiro (1985) concorda com esse ponto de vista quando descreve que
um objeto é sempre um objeto para uma consciência, sendo sempre um objeto a
partir da referência de um observador. É, justamente por essa interferência
externa do ponto de vista do observador, que a fenomenologia propõe que o
terapeuta favoreça que o cliente entre em contato com ele mesmo no momento
presente (aqui e agora), propiciando que ele torne-se mais aware, mais
consciente de FARAH, Ana Beatriz Azevedo .
Psicoterapia
de grupo: reflexões sobre as mudanças no contato entre os membros do grupo
durante o processo terapêutico. suas sensações e sentimentos e que o próprio
cliente possa ser observador de si mesmo. Nesse processo de autoconhecimento, de
olhar para si mesmo é que o cliente pode vir a conhecer a sua própria essência,
as suas sensações de maneira mais genuína e com clareza das interferências
externas. Cada ser humano é único e dessa forma, cada um experimenta o mundo de
maneira própria e singular. Dessa maneira, o melhor observador de cada um é si
mesmo, pois só o próprio indivíduo é quem vai poder saber ao certo o que
experimentou, e assim, pode descrever através da fala ou expressão corporal, o
que sentiu. Para Cardoso (2007b) apud Fairfield (2004), no grupo, a observação
de todos é válida, não havendo uma melhor do que a outra, havendo tantas
perspectivas válidas quanto o número de participantes do mesmo. “Essa concepção
de grupo prioriza a dimensão processual, que compreende o grupo como um
fenômeno em constante transformação, a partir das relações estabelecidas entre
seus membros e entre o próprio grupo e o contexto no qual ele ocorre. [...] Da
mesma forma, as vivências e os processos internos de cada participante
transformam a realidade do grupo como um todo” (p.22). Grupo como Organismo Uma
outra teoria que é usada para a compreensão dos grupos é a Teoria Organísmica
de Kurt Goldstein. “A idéia central da obra de Goldstein é que o organismo deve
ser tratado como um todo e não como uma soma de partes e que o organismo deve
ser visto como algo que age como um todo” (RIBEIRO, 1994d, p.71). Essa
colocação diz respeito ao organismo ser um todo integrado e que qualquer
mudança em uma das suas partes, gera, necessariamente, alteração nas demais.
Essa idéia é bem próxima ao que foi dito em relação a teoria de campo. Em ambas
teorias, o grupo é visto como um todo, onde suas partes estão interligadas e
relacionadas de tal maneira que uma pequena modificação feita em qualquer
parte, gerará interferência nas demais. RODRIGUES (2000), exemplifica esta
visão de totalidade através da unidade mente-corpo. Diversas pessoas que
apresentam um sintoma em um determinado órgão, apresentam um discurso como se
apenas esse órgão estivesse adoecido e ainda como se ele estivesse fora do seu
próprio corpo. “– Eu? Eu estou bem! Meus rins é que estão mal” (p.79). FARAH,
Ana Beatriz Azevedo – Psicoterapia de grupo: reflexões sobre as mudanças no
contato entre os membros do grupo durante o processo terapêutico.
In: Revista IGT na Rede, v.6, nº.
11, 2009, Página 311 de 328 Disponível
em http://www.igt.psc.br/ojs/ ISSN 1807 – 2526