A Ética no exercício da medicina
Roberto Luiz d’Avila
Especialista em Cardiologia, mestre
em Neurociências e
Comportamento, doutorando em
Bioética pela Universidade do
Porto, Portugal, professor adjunto
do Departamento de Ciências
Morfológicas - Centro de Ciências
Biológicas da Universidade Federal
de Santa Catarina (UFSC) e
presidente do Conselho Federal de
Medicina (2009-2014), Brasil
Não existe, na medicina, nada mais clássico e moderno, ao mesmo tempo, do que a ética médica e os temas discutidos pela bioética. Esses tópicos acompanham todos os passos da história da disciplina, merecendo destaque, uma vez que exercem papel preponderante como guia de conduta dos médicos. Além disso, com a incorporação na prática médica de novas tecnologias, mais importante torna-se a reflexão sobre a ética em medicina e a discussão do desenvolvimento moral de acadêmicos e profissionais desta área, haja vista que a responsabilidade profissional cresce proporcionalmente ao desconhecimento leigo sobre as implicações do uso dessas novas tecnologias. Hoje, a ética médica vem sendo estudada formalmente, seja por meio da transmissão vertical de conteúdos relativos aos princípios deontológicos e da bioética seja pela análise de problemas éticos e morais encontrados na clínica. Essas tentativas para incorporar parâmetros éticos e morais no processo ensino aprendizagem decorrem do entendimento de que não basta um código de ética médica para orientar o comportamento dos profissionais; falar em ética médica é falar em moral e em tomadas de decisões que transcendem os aspectos puramente cognitivos atualmente tão valorizados no meio médico .
Diante da crise de credibilidade que afeta a prática profissional tornou-se primordial dar atenção especial aos estudantes de medicina que, durante sua formação acadêmica, devem adquirir não apenas uma gama de conhecimentos técnicos, mas, igualmente, conhecimentos e valores éticos que nortearão toda a sua vida profissional, segundo os conceitos da moralidade médica contemporânea.Frente aos desafios do contexto que se apresenta, parece pertinente trazer à baila as recomendações de Goldie acerca dos objetivos principais do ensino de ética médica
- ensinar a reconhecer os aspectos éticos e humanísticos da profissão médica;
- permitir a afirmação dos preceitos morais individuais e profissionais;
- propiciar conhecimento geral acerca de Filosofia, Direito e Sociologia;
- permitir a aplicação deste conhecimento no pensamento clínico; e
- auxiliar no desenvolvimento das habilidades necessárias para a aplicação destes conhecimentos no tratamento das necessidades clínicas humanas.
Isso significa, portanto, fazer com que o alunado desenvolva habilidades morais, aprendendo a resolver os dilemas éticos que surgirão na prática profissional cotidiana, embasando-se para tanto em princípios e valores. Nesta direção, não é demais repertir, faz-se mister promover o desenvolvimento moral dos estudantes ao longo de todo o curso, inclusive construindo ou aprimorando mecanismos eficazes para a avaliação dessas competências. Apesar desse contexto adverso (ou mesmo em decorrência dele) o momento é favorável, pois estimula a que todos, médicos, estudantes e educadores, engajem-se no compromisso de resgatar a melhor formação moral no exercício profissional, com ênfase no ensino das humanidades. É necessário não esquecer que toda a história do desenvolvimento moral do humanidade, chamada de aurora da consciência (que, paradoxalmente, os teólogos clássicos designam como a queda do homem), tem sido a marcha constante e ascendente na escala da responsabilidade, desde uma ação pré-escolhida até aquela eminentemente deliberada, que se desloca da moralidade habitual (emocional) para a moralidade refletida (racional)
Ao mover-se para além da existência animal, o homem só contou com duas vantagens biológicas para emancipá-lo dos hábitos e limites irracionais de sua natureza: a primeira e mais importante foi o crescimento do lobo frontal (inteligência), que o ajudou a escolher não apenas os fins, mas os meios a segunda foi sua postura ereta, liberando suas mãos e lhe conferindo o nome genérico grego anthropos, que significa aquele que anda com a face para o céu Parece evidente, pois, que aqueles que assumem a responsabilidade de cuidar de alguém, que têm conhecimento dos fatos e que exercitam a liberdade de escolha e o respeito pela autonomia dos outros, são seres verdadeiramente morais.
Sem liberdade de escolha ou direito de saber a verdade as pessoas seriam apenas marionetes, manipuladas por cordões atados aos movimentos de outrem. Neste ponto, cabe retomar a pergunta inicial deste artigo: é possível educar moralmente? De acordo com o que foi visto, reitera-se que a resposta é sim. Porém, é preciso compreender o sentido de educar. No presente caso, assume-se seu poder limitado de moldar ou dar forma a conteúdo existente. Mas, vale a pena insistir, evitando que ações impensadas no condimento da juventude ou na selva do mercado rotulem recém profissionais, desvirtuando-os de suas metas mais nobres de ajudar ao próximo, garantindo-lhe melhor vida e morte mais digna.
Finalmente, o erro médico, o abuso de um ou outro profissional que, demonstrando habilidade cognitiva, justificou diante de exigências escolares formais ser merecedor de
diploma médico, não deve ser considerado improvável . É possível que alguns obtenham o título de médico sem jamais chegar a cumprir o juramento hipocrático.
O tratamento do paciente não pode prescindir de afeto por parte do médico, que no uso de seus conhecimentos técnicos não deve ignorar o outro ser humano, demonstrando empatia e compreensão. Não se deve esperar que um psicopata chegue a desenvolver tais capacidades, que sinta algo além do prazer de desfrute pessoal usando os outros, a profissão e o reconhecimento dela derivado. Para este, a educação ou formação moral tem sentido apenas como recurso retórico para impressionar e agregar poder ao seu arsenal destruidor.
Contudo, felizmente, a maioria dos que procuram a medicina a exercem com desígnio humanitário, principalmente nos dias atuais, quando alguns cursos superiores e formações técnicas, demandando menor esforço, proporcionam maiores ganhos econômicos.
Pré-requisito para ser um bom médico
· Estar estimulado e capacitado para a prática da educação permanente, especialmente para a auto-aprendizagem;
· Exercer a medicina utilizando procedimentos diagnósticos e terapêuticos validados cientificamente;
· Dominar as técnicas de leitura crítica indispensáveis frente à sobrecarga de informações e da transitoriedade de conhecimentos;
· Dominar os conhecimentos científicos básicos de natureza biopsico-social subjacentes à prática médica;
· Ter domínio dos conhecimentos de fisiopatologia, procedimentos diagnósticos e terapêuticos necessários à prevenção, tratamento e reabilitação das doenças de maior prevalência epidemiológica e aspectos da saúde ao longo do ciclo biológico: saúde individual da criança, do adolescente, do adulto e do idoso com as peculiaridades de cada sexo; saúde da família e da comunidade; doenças crônico degenerativas; neoplasias malignas; causas externas de morbi mortalidade; doenças mentais e psicossociais; doenças infecciosas e parasitárias; doenças nutricionais; doenças ocupacionais; ambientais e iatrogênicas;
· Ter capacitação para utilizar recursos semiológicos e terapêuticos contemporâneos, hierarquizados para atenção integral à saúde, no primeiro, segundo e terceiro níveis de atenção;
· Utilizar procedimentos semiológicos e terapêuticos conhecendo critérios de indicação e contra-indicação, limitações, riscos, confiabilidade e sua validação científica;
· Atuar dentro do sistema hierarquizado de saúde obedecendo aos princípios técnicos e éticos da referência e contra-referência;
· Saber atuar em equipe multiprofissional, assumindo quando necessário o papel de responsável técnico, relacionando-se com os demais membros em bases éticas;
· Exercer a medicina com postura ética e humanística em relação ao paciente, família e à comunidade, observando os aspectos sociais, culturais, psicológicos e econômicos relevantes do contexto, baseados nos princípios da bioética;
· Ter uma visão social do papel do médico e disposição para engajar-se em atividades de política e de planejamento em saúde;
· Informar e educar seus pacientes, familiares e comunidade em relação à promoção da saúde, prevenção, tratamento e reabilitação das doenças, usando técnicas adequadas de comunicação;
· Conhecer as principais características do mercado de trabalho onde deverá se inserir, procurando atuar dentro dos padrões locais, buscando o seu aperfeiçoamento considerando a política de saúde vigente;
· Utilizar ou administrar recursos financeiros e materiais, observando a efetividade, visando a eqüidade e a melhoria do sistema de saúde, pautada em conhecimentos validados cientificamente.
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