Passamos a vida tão automatizados nos afarezes cotidianos que não nos
damos conta do quanto esta atitude obsessiva por "fazer algo"
representa uma tentativa constante de fugir da tristeza própria de quem está
vivo. Tristezas maiores como perdas ou o testemunho da dor daqueles que
sofrem, ou menores, como o desânimo frente aos obstáculos da vida e à
frustração de uma esperança. Sofremos porque não aceitamos que tudo,
simplesmente tudo, está em constante transformação.
Você sabia que até o século IV a tristeza pertencia à lista dos sete pecados?
Os sete pecados capitais: luxúria, gula, avareza, preguiça, ira, inveja e
orgulho, foram organizados na Idade Média pelo papa Gregório I.
Considerava-se que quem os praticasse iria direto para o inferno. Em 1273,
São Tomás de Aquino os formatou como uma das bases dos dogmas católicos.
Aliás, ainda vivemos numa cultura que reconhece a tristeza como fraqueza: um
estado a ser evitado a qualquer custo. O capitalismo fomenta a ilusão humana
de que seria possível nos autogratificarmos ininterruptamente. Tememos que ao
parar estaremos perdendo alguma chance de sermos mais felizes. Se temos que
ser felizes "custe o que custar", como encontraremos espaço em nossas
vidas para sentir a tristeza e elaborá-la?
Ao evitarmos a tristeza, estamos perdendo a possibilidade de nos tornarmos
pessoas mais maduras e coerentes, portanto, mais felizes. Na medida em que
aceitamos a realidade de que nossos sentimentos são imperfeitos e vulneráveis,
já não tememos a fragilidade que a tristeza nos desperta.
Tristes, temos menos energia vital para nos impormos diante das adversidades.
No entanto, é justamente ao acolher os sentimentos de incapacidade diante do
mundo que evocamos o estado de introspecção necessário para dar sentido ao
que estamos passando.
Toda perda ou frustração é inegavelmente triste, mas é o que cada um diz a si
mesmo que transforma o que é triste em alguma coisa ruim.
A tristeza acolhida, sentida e refletida nos leva a redimensionar nossos
valores a tal ponto que quando começamos a sair dos estados mais pesarosos,
naturalmente, estamos mais compromissados com nossos princípios e valores.
Desta forma, estamos mais colados em nós mesmos. Ou seja, a experiência
direta com a tristeza nos leva a ser o que pensamos. Como resultado, passamos
a ter coragem de tomar decisões que muitas vezes foram postergadas por anos.
Quanto maior for a coerência entre o que sentimos e vivemos, maior será o
estado de confiança interior.
Entramos em contato com a tristeza, quando nos silenciamos para escutar que
histórias ela tem para nos contar. Podemos fazer isso colocando as mãos sobre
a parte de nosso corpo que mais se ressente diante desta dor emocional e
simplesmente dizer que estamos abertos para escutá-la. Este é um ato de
autocompaixão. Desta forma, despertamos nossa intuição e sabedoria pessoal.
Ao final desta reflexão, teremos mais condições para concluir o que é de fato
importante para dedicarmos nossa atenção.
Pesquisas de neurociência comprovam que decisões relacionadas ao
desenvolvimento pessoal e à mudança, em grande parte das vezes, só podem ser
tomadas em momentos de tristeza, quando o cérebro humano tende a agir de
maneira mais sensata, sem cair nos extremos da excitação ou da depressão.
Em geral, aquilo que nos faz tristes revela em nós algo que não gostamos de
admitir.
O problema é que associamos a ideia de sofrer com a de fracassar. Mas o
sofrimento, em si, não é uma derrota: ele faz parte do processo de cura. Por
isso, para superarmos a tristeza, teremos inicialmente de permitir sua
presença.
A dor que não vai embora é aquela que clama por atenção e empatia. Críticas e
julgamentos são uma forma de resistência para encarar a tristeza. Neste
sentido, para nos aproximarmos de nossa própria dor com a intensão de
transformá-la em sabedoria, teremos que abandonar a indignação infértil que
carrega as mágoas do passado.
Como lidar com a tristeza? Em primeiro lugar, precisamos saber identificá-la
em nosso corpo e alma. Uma tristeza profunda não tem palavras para se
expressar. Será preciso permanecer com ela em silêncio para que ela ganhe sua
voz.
Pessoas e lugares capazes de tolerar este silêncio são de grande ajuda para
quem está triste. Aos poucos, as palavras surgem, assim como uma criança que
começa a falar. No início, são expressões soltas e desconexas. Lembranças que
vem e vão.
Escrever o que estamos sentindo nos ajuda a projetar a dor para fora.
Reconhecer nossos sentimentos nos alivia e nos acalenta. Ressoar com nossa
própria dor.
Aliás, se quisermos ajudar uma pessoa que está triste, teremos que ressoar
junto com ela. Sentir empatia e compaixão significa estar em sintonia com o
outro sem querer apressá-lo ou organizá-lo precocemente. Encontrar alguém
capaz de estar presente, sem tentar nos organizar à sua moda, estimula-nos a
"sair da toca" e narrar o que está ocorrendo.
É preciso estar num lugar seguro, com pessoas seguras, para suportar
tristezas profundas. Começamos a sair da tristeza na medida em que
conseguimos representá-la para o mundo. Seja verbalizando-a racionalmente ou
por meio da arte como a poesia, a pintura, a música e a dança.
Ao expressarmos nossa tristeza, ganhamos a confiança de que com o tempo virá
a ajuda necessária para superarmos sentimentos mais intensos, como agonia e
desamparo.
A tristeza não é em si mesma pessimista. Ela reclama pelo ocorrido, mas
aguarda por algo novo. Sob a tristeza, algo que ainda desconhecemos está
sendo gestado. Enquanto nos sentirmos vazios não há nada a ser contestado.
Mas, na medida em que este vazio ganha expressão, passamos a vislumbrar novas
esperanças.
A tristeza não ouvida por nós mesmos ou por alguém torna-se crônica. Se
estivermos constantemente tristes, passaremos a sentir apatia, indiferença e
desprazer: a tristeza torna-se, então, depressão.
Como vimos, na tristeza, nosso sistema se torna mais lento para que possamos
gerar um estado de introspecção. Na depressão, estamos demasiadamente
lentificados, até mesmo para nos perceber. O vazio percebido como um vácuo de
sentido e esperança causa agonia. Na depressão, estamos perdidos, não temos
força para nos autossustentar.
Todos nós sentimos tristeza, mas 18% das pessoas irão apresentar depressão em
algum período da vida. Com o aumento do estresse crônico, este número vem
aumentando significativamente. Segundo dados da OMS (Organização Mundial de
Saúde), no ano de 2020, a depressão será a principal causa de incapacidade em
todo o mundo, só superada pelas doenças cardiovasculares.
O vilão deste infortúnio é o estresse crônico. Sob a pressa e a pressão, não
chegamos a oscilar entre os estados de ativacão e relaxamento. Dormimos e
comemos mal. Isso sem contar com a agressão que nosso corpo sofre diante do
constante ataque de substâncias estranhas a ele, como a poluição do meio
ambiente, os agrotóxicos e os xenobióticos.
A tristeza é um processo natural da vida, uma expressão passageira de nosso
mundo interior. Já a depressão é um estado permanente que precisa de ajuda
para ser tratado.
Dr. Sergio Klepacz nos esclarece em nosso livro "O Sutil Desequilíbrio
do Estresse" (Ed.Gaia): "As atuais
teorias indicam que as origens da depressão encontram-se na questão da
dinâmica neuronal. Consideram o estado depressivo como uma espécie de
microdegeneração do cérebro. Temos como causa ou consequência do quadro uma
diminuição da atividade de crescimento da árvore neuronal, por pouca
neurogênese ou por pouca conexão entre os neurônios. Para compreender melhor
a situação, podemos imaginar que nossas memórias e experiências sejam escritas
na árvore neuronal, como numa revista de história em quadrinhos. Cada
quadrinho corresponde a um neurônio (ou conexão entre eles), formado pelo
hipocampo. Dependendo do grau de relevância que damos a essas memórias, esse
quadrinho será mantido e incorporado, ou será eliminado. No caso do estresse
crônico, a consequente exitotoxicidade impede a formação dessas memórias, de
modo que vamos deixando de incorporá-las. A depressão é possivelmente o
momento no qual ficamos com poucas aquisições, de forma que nossos recursos
para sobreviver num mundo complexo, diminuem. A partir desse ponto, o único
sentimento que acabamos aprendendo é que não existe mais esperança".
A depressão é a ausência da sensação de que a vida está fluindo naturalmente.
Dr. Sergio Klepacz afirma: "Cem por
cento dos depressivos se sentem acuados. Sabemos que o estresse causa
diminuição de triptofano circulante no plasma, possivelmente pelo aumento da
necessidade de formação da serotonina. Baixos níveis de triptofano podem
prejudicar a capacidade de enfrentamento de novos estresses, aumentando a
sensação de desesperança".
Quando sofremos uma perda significativa, um golpe de traição, ou mesmo um
diagnóstico de uma doença grave, somos tomados por uma intensa tristeza, mas
isso não quer dizer que estejamos deprimidos. Podemos nos sentir
profundamente tristes e, ainda assim, estarmos dispostos a seguir em frente.
Não perdemos a motivação pela vida, temos autoestima suficiente para nos
sustentarmos até nos ajustarmos à nova realidade. Enquanto a depressão é uma
doença que precisa ser tratada, a tristeza é um sintoma que pode nos curar.
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